
Depende de como você vê o novo, o credo, a fé que você deposita em você e só.
Li em algum lugar que o Tao (o Algo, o Deus) é aquilo que se ouve e não tem som: voz do silêncio: sopro: com esta voz "quase" inaudível o Tao criou, no vazio em que se refaz infatigável: a pedra e a chuva, o carvalho e o mar: e todas as outras coisas.
Inciput erat verbum: no princípio era a palavra: uma das formas de honrarmos o pequeno sopro das palavras: pedra, chuva, carvalho, mar: é deixar que elas desvelem, e não nós, o que há de mais íntimo nelas.
Há pouca matéria numa palavra que nem mar, por exemplo, um pequeno sopro. Há pouca matéria em todas as palavras, por isso elas são, algumas vezes, desprezadas. Mas elas sempre esposam o infinito.
A palavra céu, para os hindus, é um ser vivo e não apenas uma palavra criada para a usura ou fins pessoais.
Assim as palavras: ancoradouro, turmalina, adágio, veneziana: são seres vivos que jorram da terceira margem do rio e, como seres vivos, devem ser honrados.
A palavra vendaval pra nada serve se não puder ser uma oração nas folhagens.
Aquilo que olhamos atentamente, olha atentamente para nós.
gerard manley hopkins
Se olho a palavra chuva atentamente, ela olha atentamente para mim, com suas curvas líquidas, com seus mistérios divinos, porque só a palavra chuva é quem sabe de si.
Se a palavra é sopro e sopro é vida.
shakespeare
Não que o Tao necessite de palavras, mas também o Tao aprecia comunicar-se através de palavras.
Escutar o que sopra do Tao: isto é honrá-lo.
O poeta é aquele que nunca sabe o que vai pronunciar uma palavra criada pelo Tao, feito uma criança que nunca sabe para onde vai a onda do mar ou as nuvens do céu: ele aguarda que o Tao (o Algo, o Deus) sopre: isto é honrar o jazz da vida, ou reverenciar a respiração do indestrutível.
Fernando José Karl
A hora em que Shânkara sente o coração bater na palma de sua mão: por suave, coração de organza a levar do ar os quebrantos e todo o fel: de resina perfumada sua voz vinda de antes do início do mundo: voz a arder em todos os cômodos da casa onde habita: Shânkara é céu emendado a céu: não acaba nunca sua presença amorosa que chove nas plantas, nas pedras, nos animais.
Fernando José Karl