sábado, 30 de maio de 2009

Shânkara de olho

Shânkara Lis e vó Ana na ilha de São Chico

Arthur Tress, 1987



Há que se falar de algo que vem à mente

por si só.

Gilles Deleuze



Jeffrey Becom, 1987

Shân querida,
o senhor Buda não reverencia nenhum Deus,
nem crê na alma,
nem no paraíso.

O senhor Buda tinha sempre a palavra "sunyata" ("vazio", em japonês) na ponta da língua.

"Sunyata", ao contrário do oco da morte, não dá medo, antes é uma estratégia oriental pra lá de magnífica: tornar-se "sunyata" ou "vazio", por exemplo, para não ser atingido pelo sabre da finitude, pela corrupta voz dos políticos, pela gripe suína etc.

O que há de oco numa xícara é "sunyata", e isto é belo como o Taj Mahal.

"Sunyata"
com a tessitura de átomos levíssimos dá aparência de ser "vazio", mas é pleno de invisível, de angélico prana.

Outro dia li que o prana não é o ar nem o oxigênio, mas matéria fina de toda certeza.

Prana: sopro vital, alento.

A palavra também é matéria fina de toda certeza e sua origem é a mesma que a do fogo.

Shakespeare disse: "Se a palavra é sopro e sopro é vida".

Já pronunciou Kant: "Devemos aprender a sermos invisíveis com mais humildade".

Fernando José Karl

domingo, 10 de maio de 2009

Edward Weston, 1921

Ô ressurreição, dê água a meus ossos, me livre da ignorância de achar que eu sei tudo. Sou bossa de corisco, silêncio de quintal, diamante e sim ao paraíso. Ô ressurreição, dê arejos às trevas, me livre da falta de doçura, do vício de não escutar as roseiras trêmulas na varanda. Tudo volta ao silêncio. Nunca estive no inferno. Nunca me chamaram de Beechmann. Ô ressurreição, que o que agora vislumbro não se perca, não se perca. E que alguma coisa disso tudo seja meu: o sorriso angelical de minha filha e de meu filho, a xícara branca, as lágrimas das chuvas, os passos no desconhecido, as delícias, os coqueiros, os vasos cilíndricos de barro, e mais tudo o que, por distraído, esqueci.

Fernando José Karl